O Sentido da Páscoa
A celebração da primeira Páscoa do povo Hebreu
aconteceu de forma cruenta. Convocado por Deus, Moisés torna-se chefe de um
povo que vivia escravizado, oprimido no Egito. As ordens divinas são práticas:
imolar um cordeiro de um ano, sem defeito, assá-lo inteiro, comê-lo
apressadamente com ervas amargas e partir na manhã seguinte, com toda a
família, bens, animais e escravos. Porque na noite da primeira páscoa, “(...)
passarei através do Egito, e ferirei os primogênitos no Egito, tanto os dos
homens como os dos animais, e exercerei minha justiça contra todos os deuses do
Egito. Eu sou o Senhor.” (Êxodo 12,12).
Aquela primeira páscoa, celebrada às pressas foi
uma figuração da Solene Páscoa em que Cristo, “o Cordeiro de Deus”, seria
imolado, para a libertação espiritual de toda a humanidade.
“No Concílio de Nicéia (em 325), todas as Igrejas
chegaram a um acordo que a páscoa cristã fosse celebrada no domingo que segue a
lua-cheia (14 Nisan,) depois do equinócio de primavera. A reforma no calendário
do Ocidente (chamada “Gregoriana”, do nome do Papa Gregório XIII, em 1582),
introduziu uma defasagem de vários dias em relação ao calendário oriental”.
(C.I.C., 1170).
Os sinais e símbolos litúrgicos que estão contidos
na festa da Páscoa, são expressões referentes à criação (como a luz, a água e o
fogo), a vida humana (lavar, ungir, partir o pão), ou celebram ainda a história
da salvação (os ritos da Páscoa).
A Quaresma (que tem início na quarta-feira de
Cinzas), é o tempo de preparação, recolhimento, penitências e abstinências,
tendo como culminância o Domingo de Páscoa. Festa maior da cristandade é hoje,
transformada em “feriadão”, tempo de consumo, dia de festa profana.
A tradição religiosa reserva uma semana de preparação
maior à celebração da Páscoa. A Semana Santa, ou Semana Maior, tem início no
Domingo de Ramos, onde se celebra a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém.
Seguem-se os dias mais fortes, como a quarta-feira de Trevas, onde muitos
penitentes, ainda hoje, seguem ritual de autoflagelo. No Ceará, a região do Cariri
é rica nestas tradições.
Na Quinta-Feira Santa, é relembrada a Última Ceia
de Cristo, e a instituição da Eucaristia. Na Sexta-Feira Santa, ou Sexta-Feira
da Paixão, nas igrejas cristãs celebra-se a “paixão” e morte de Jesus Cristo.
Dia de oração, jejum e abstinência.
Diferentemente do que se pode imaginar, esse “Dia
Santo” em algumas cidades, vê-se não um grande número de penitentes ou
peregrinos, mais de pessoas que sem o menor respeito pela opção religiosa da
maioria, desfila nas ruas com carros em alta velocidade e caixas de som
possante tocando músicas “profanas”. As festas dançantes e bebedeiras, mais
comuns nos pré-carnavais também se fazem presente nestes dias santos. Esses
fatos não são repudiados pelas autoridades locais, mas muitas pessoas
religiosas ficam indignadas, e até as que não são religiosas, mas que guardam
respeito pelos outros.
As paróquias de uma forma geral realizam procissão
do Senhor Morto, com a participação de centenas de fiéis.
Segue-se a programação religiosa com o Sábado de
Aleluia; dia de vigília, de espera da manifestação do poder de Deus na
obediência de seu Filho ao plano de salvação. Também, e principalmente, no
Sábado de Aleluia, o profano confunde com o sagrado, e são muitas as festas de
“aleluia” e os “carnalelúias” em todo o Estado do Ceará.
Aproveitando ainda o “grande feriadão”, muitas
pessoas viajam em busca de um lugar tranqüilo, um retiro espiritual, ou ainda
os chamativos cenários vivos, onde são relembradas as principais cenas e
ensinamentos de Jesus Cristo. Nova Jerusalém em Pernambuco atrai milhares de
pessoas para relembrar a paixão de Cristo, é o chamado “turismo religioso”.
Muitas outras cidades investem neste tipo de turismo que cresce a cada ano.
Todas essas práticas e características próprias de
um determinado período do ano, vem reforçar a necessidade de preservação da
memória histórica, seja ela individual ou coletiva. É portanto, uma forma de
expressar a cidadania, em outra palavras dizer: “eu também sou gente... Faço
parte da história da minha região, sou ser consciente e ativo”.
Citando Oría, acrescentamos:
“A identidade cultural de um país, estado, cidade
ou comunidade se faz com memória individual e coletiva. Somente a partir do
momento em que a sociedade resolve preservar e divulgar os bens culturais é que
se inicia o processo de construção do seu ethos cultural e de sua cidadania”.
(Memória e Ensino de História, p.138).
Sendo portanto, imprescindível a preservação da
memória na construção da identidade e da cidadania, ressaltamos que o
perceber-se como elo de integração dessa memória faz-se na medida que cada um
identifica-se com a história de vida, experiências e lutas vivenciadas pela
comunidade a que pertence. Do contrário, a memória que ficará, será a que os
setores dominantes assim desejarem, ou seja, a memória oficial. Ainda citando
Oría, ressaltamos:
“Destruídos os lugares da memória da cidade, resta
apenas o poder econômico dos setores dominantes constuiu e resolveu manter como
símbolo de uma memória elitista e excludente – a memória do poder, a memória
oficial, contrapondo-se a idéia de uma memória cidadã, plural e possibilitadora
da construção de uma identidade cultural para todos”. (Memória e Ensino de História,
p.140).
Interpretamos essas práticas ditas “religiosas”,
como forma de resistência, de luta por um espaço na sociedade, em busca da
superação de conceitos sociais firmados basicamente naqueles que dominam.
Outras características observadas nos dias da
“Semana Santa”, referem-se as práticas populares como os “CARETAS” e a
“MALHAÇÃO DO JUDAS”, ou seja, a queima do Judas. Na cidade de Iguatu (região
Sul do estado), já é tradicional a presença de grupos de “caretas” nas ruas da
cidade, pedindo esmolas, amedrontando as crianças e chamando a atenção por onde
passam. Eles andam em grupo, saem na Semana Santa para cumprir uma tradição
centenária que mantém o folclore popular. A vestimenta básica é composta de uma
máscara, daí a denominação de “caretas”, e roupas rasgadas, em farrapos, além
do uso de chocalhos e tambores, pra chamar a atenção dos populares. Saem de
casa em casa pedindo esmolas, que posteriormente são repartidas entre si ou
pessoas necessitadas da comunidade.
Quanto à “malhação do Judas”, a Igreja tenta
impedir, mas a tradição popular é mais forte e resisti, aglomerando centenas de
pessoas que se deleitam com o testamento e morte do traidor.
E assim, a religiosidade popular permeia entre o
sagrado e o profano, por vezes de forma racional, mas necessariamente como
expressão e cultura de um povo que vive suas raízes, e acima de tudo sua fé.
SOBRE A
AUTORA DO TEXTO
Joana D'arc Gomes Lobo é graduada em História, especialista em História do Ceará, Supervisora do Núcleo Regional de
NTE/12º CREDE12 / SEDUC - Quixadá-CE.
FONTE:
www.crede12.seduc.ce.gov.br/revista2/pascoa.htm
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